Prof. Dr.  Jack Brandão
 
 
Literatura
 
 

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OBRA DE ANDREAS GRYPHIUS

 

     Épica e lírica latina

     O legado artístico de Andreas Gryphius tem início ainda no colégio, quando o poeta, com apenas dezessete anos, termina, em 1635, seu primeiro poema épico escrito em latim: Herodis Furiae et Rachelis lacrymae, cuja base é o relato da morte dos inocentes em Belém a mando do rei Herodes[1], narrado no Evangelho de São Mateus[2], além da obra do historiador judeu Flávio Josefo.

     De acordo com os preceitos do período, seguia os modelos preestabelecidos pelos clássicos, como é o caso do poema épico de Virgílio, a Eneida, do qual extrai alguns versos (quase ipsis litteris) como nos exemplos que se seguem[3]:

Eneida

 ( Virgílio )

Herodis Furiae et Rachelis lacrymae  ( Gryphius )

a) Verso 694 do Livro Segundo:

a) Verso 330 de Herodes I [1] :

Stella facem ducens multa cum luce cucurit.

Stella facem ducens clara cum luce cucurit

b) Verso 1161 do Livro Segundo:

b) Verso 784 de Herodes I:

Quis cladem illius noctis quis funera fando

Quis cladem illius Lucis, quis funera fando


     O impulso para escrever Herodis Furiae et Rachelis lacrymae, Gryphius recebeu da escola, cujos alunos desde as classes iniciais tinham contato com as leis da poética e da retórica[5], entretanto não se pode descartar sua grande aplicação aos estudos. A demonstração de seu interesse reside no fato de que parte da obra foi escrita quando na cidade, em que o poeta morava, Fraustadt, grassada a peste e, como as aulas estavam suspensas, teve de escrevê-la em casa.

     Um outro ponto que deve ser reiterado, principalmente após uma rápida leitura dos trechos acima, é o da inexistência, naquele momento, de nossa visão de originalidade, pois para o homem do século XVII, é genial aquele que tem a capacidade de manipular os modelos propostos,[6] por isso o mais importante para aquele público será confirmar, na obra poética, aquilo que já é de seu conhecimento. Partindo desse ponto, Gryphius soube muito bem fazê-lo como quando demonstra a manipulação que faz dos clássicos − evidenciado no emprego de citações de Ovídio, Estácio, do próprio Virgílio entre outros − seguindo as instruções de seus professores.[7] Mesmo nessa obra incipiente, o jovem Gryphius demonstra sua futura habilidade como escritor. Já na dedicatória da epopéia, traça-nos um paralelo entre o ódio sanguinário de Herodes e a barbaridade da Guerra dos Trinta Anos. A seriedade e o pathos dos versos mostram que a obra não era simplesmente um trabalho escolar, mas a demonstração de que essa seria a obra de um poeta precoce.[8]

     Além das obras em latim citadas acima, Gryphius publicou em 1643, em Leiden, um livro que continha 67 epigramas, cuja maioria é de poemas de ocasião, oferecidos a parentes e conhecidos; havia entre eles até mesmo um sobre quiromancia.[9] Em 1646, o poeta ainda escreveu uma série de poemas em latim, publicando somente uma parte.[10]

Trauerspiele[11]

     Gryphius foi, sem dúvida, o dramaturgo alemão mais importante do século XVII. Suas principais influências foram o teatro jesuítico, o classicismo holandês de Vondel, o drama clássico francês[12], Sófocles e Sêneca como também a de Opitz.

     É importante salientar a diferenciação que Walter Benjamin faz entre Tragödie e Trauerspiel, pois essa questão despertou controvérsias em relação ao Seiscentismo alemão, visto que, para os críticos alemães pós-Barroco, o gênero dramático do período fora uma tosca imitação da tragédia estabelecida por Aristóteles em sua Poética. Para este, a estrutura da tragédia deveria ser complexa, inspirar temor e pena, operando a catarse própria dessas emoções, representar seres superiores (aristocracia) e dar-se, quando o possível, “numa revolução do sol ou superá-lo de pouco”, e cuja ação será inteira e acabada, ou seja, com começo, meio e fim[13]. Benjamin é categórico ao afirmar que o período barroco foi o período em que a influência da tragédia grega (Tragödie) foi menos preponderante, pois não era nos gregos que os dramaturgos alemães buscavam sua inspiração, mas no teatro jesuítico e no holandês, que não conheciam a unidade de lugar. Outro ponto levantado seria a falta de compreensão do efeito trágico pelos autores do século XVII, pois esse desvio da interpretação aristotélica “deforma radicalmente as intenções da Antigüidade”, já que “para ela, a piedade e o terror não participam da ação como um todo, mas do destino dos personagens mais significativos. Além disso, a tragédia alemã (Trauerspiel) versa sobre o homem histórico, mortal, pois “seu conteúdo, seu objeto mais autêntico é a própria vida histórica, como aquela época a concebia”, enquanto para a tragédia grega (Tragödie) o “objeto não é a história, mas o mito”, a morte do herói não é um fim em si, mas um passo para a imortalidade.[14]

     De maneira semelhante a sua obra lírica, Gryphius também explorará em suas Trauerspiele a ideia da vanitas[15], como demonstrou na introdução de Leo Armenius:

Indem unser gantzes Vaterland sich nuhmehr in seine eigene Aschen verscharret/ und in einen Schauplatz der Eitelkeit verwandelt; bin ich geflissen dir die Vergänglichkeit menschlicher Sachen in gegenwärtigen und etliche folgenden Trauerspielen vorzustellen.[16]

     Considerada uma de suas melhores tragédias pela forma com que soube explorar as ideias contrastantes e antagônicas, conferindo, grande tensão ao enredo. Apesar disso, alguns pesquisadores acreditam que Gryphius não conseguiu com que seus outros dramas tivessem o mesmo nível artístico obtido em Leo Armenius.[17]

     Leo Armenius, primeira tragédia de Andreas Gryphius, foi concluída em Estrassburgo em 1646 e publicada em 1650. O drama conta a história do marechal Leo Armenius que destitui o imperador bizantino Miguel I (em 813), mas que, sete anos depois (820), é morto por conspiradores junto à cruz de Cristo, na noite de Natal, quando Michael Balbus torna-se o novo imperador. A tragédia originou algumas controvérsias: afinal este é um drama de destino, martírio ou de tirano? Segundo Benjamin “não é preciso fazer uma investigação muito profunda para perceber que em cada drama de tirano há um elemento de tragédia de martírio”[18]. Henri Plard procurou solucionar a questão com a seguinte pergunta: como Leo poderia ser ao mesmo tempo tirano e mártir?[19] Para isso valeu-se da definição de Georg Schönborner − antigo benfeitor de Gryphius − em cujo livro Politicorum libri septem, diz haver dois tipos de tirano: o soberano, que chega ao poder de um modo legítimo e rege como um tirano; e o outro, o tirano, que recebe a coroa por meio de um estratagema ou um levante. Contra o legítimo tirano somente se pode aplicar, segundo Schönborner, meios comuns e legais. A morte do tirano é imperdoável em qualquer situação e quem, apesar disso a comete, torna-se um tirano do segundo tipo, ou seja, um usurpador.[20] Dessa forma, Plard acredita que Leo Armenius, ao obrigar que seu sucessor abandonasse sua dignidade imperial, torna-se um tirano legítimo; apesar de sua morte ter sido a de um mártir.

     O herói da tragédia não é nem Leo Armenius nem Michael Balbus, como se afirma: Leo é um tirano e não um mártir[21] e sua morte é interpretada pelo espírito de Tharasius como ira de Deus por seu crime, expiando-o com seu próprio sangue; Balbus torna-se, por sua vez, um novo tirano. Gryphius renuncia assim a um herói positivo, já que quer demonstrar com a tragédia o mecanismo perverso[22] da luta pelo poder.[23] Tal tema já era recorrente na literatura universal.

     Gryphius, ao escrever seu Leo Armenius, recorre a dois historiadores bizantinos, Georgius Cedrenus e Johannes Zonaras, e à tragédia homônima do jesuíta Joseph Simon, que havia lido em Roma, entretanto “para os leitores e espectadores contemporâneos, essa tragédia de regicídio, de lutas sanguinárias pelo trono deveria despertar analogias aos acontecimentos de seu momento.”[24]

     Exemplo de tragédia de martírio, Catharina von Georgien inicia-se com um monólogo sobre a eternidade. O palco está repleto de cadáveres, quadros, coroas, cetros, espadas e emblemas que representam a vanitas.[25] A tragédia trata do último dia da rainha da Geórgia, Catharina, que é mantida há anos presa pelo Xá da Pérsia Abas, ardentemente apaixonado por ela, e que a quer de qualquer forma. Ela reluta, ele oferece-lhe dois caminhos: ou a de ser rainha da Pérsia ou ser martirizada. Catharina recusa novamente o casamento, o Xá condena-a à morte. Gryphius exalta a constância heróica do mártir, cujo espírito estóico é sustentado pela fé inabalável, triunfando sobre a transitoriedade do mundo, sobre a tirania e a morte.[26] Para esse drama, Gryphius utiliza-se de uma fonte francesa: Histoire de Catharine Reyne de Georgie et des Princes Georgiens mis a mort para commandemente de Cha Abas Roy de Perse, de Claude Malingre (1580-1653).

     Semelhante à composição Catharina von Georgien é a primeira versão da tragédia Ermordete Majestät oder Carolus Stuardus, escrita poucos dias após a execução do rei inglês, Carlos I, ocorrida em 30 de janeiro de 1649. Com Gryphius profundamente consternado[27] pela execução do rei e pela rapidez com que elaborou a trama, o enredo não foi um dos melhores que o autor escrevera até aquele momento. No entanto, em 1658, nove anos após a execução de Carlos I, morre o Protetor da República, Cromwell, líder da Revolução que o derrubou. Gryphius aproveita o momento e reescreve a tragédia, dando à personagem real a possibilidade de escolha entre a vida ou a morte, a mesma que teve Catharina e Papinian, mas que não havia sido dada a Leo Armenius devido à ira de Deus e a seu pecado.

     Baseado numa novela do espanhol Juan Perez de Montalván traduzida ao italiano, Gryphius escreveu a tragédia Cardenio e Celinde. No entanto, o que chama atenção na obra é o fato de nela não terem sido utilizados personagens de elevada categoria social, já que seus heróis pertencem à pequena nobreza, sendo, portanto, “uma prefiguração bem precoce da tragédia burguesa”[28]

     No primeiro ato, Cardenio conta a história de seu amor por Olympia e sua relação pecaminosa com Celinde. Ele quer a morte de Lysander que conquistou o coração daquela que amava.

Traduções

     No século XVII, as traduções eram muito comuns, já que visavam ao aperfeiçoamento da língua alemã, para que essa pudesse ter expressão literária semelhante às outras nações européias. Gryphius não fugiu à regra e também traduziu algumas tragédias e comédias de autores clássicos ou de seus contemporâneos. Exemplo temos na obra do confessor de Luís XIII, o jesuíta Nikolaus Causinus, também conhecido como professor de retórica e pregador. Em sua tragédia, Felicitas, cuja heroína homônima era romana, relata a fidelidade dessa mulher levada ao martírio com sete de seus filhos. Em Felicitas são representados os tormentos mais empregados com uma riqueza de variações, além de demonstradas diversas formas da morte.[29] As traduções não se restringiram, contudo, a tragédias. Em 1660, Gryphius publicou uma coletânea de dezessete traduções em alemão de hinos latinos e um salmo parafraseado em língua alemã. Procurava com essas traduções encontrar o estilo dos cânticos religiosos para possibilitar acesso a esses cânticos latinos, antigos e piedosos a seus irmãos de fé.[30]

     Um fator verificado em Gryphius é que o poeta traduzia sobretudo textos cujo conteúdo o fascinava e que correspondessem, principalmente, a seu modo de ser.[31]

Prosa

     Hoje, a prosa de Gryphius é a parte menos conhecida e estudada de sua obra, já que a obra lírica e a dramática já possuem destaque, principalmente nos meios acadêmicos da Europa e dos Estados Unidos. Entretanto, segundo Szyrocki, é possível dividi-la em quatro grupos:

     a) Leichabdankungen (discursos necrológicos)− gênero com o qual Gryphius já se acostumara desde criança, já que seu pai sendo pastor da igreja protestante, deveria fazer muito emprego dele. Os “discursos necrológicos” de Gryphius geralmente não eram somente de louvor, mas constituíam uma série de reflexões e variações alegóricas sobre um tema, que o poeta, numa relação engenhosa, fazia à memória do morto. Gryphius utilizava para isso o nome, o brasão, a profissão, a idade ou a situação pessoal para aludir ao respectivo tema que queria desenvolver. Uma indicação biográfica raramente fazia parte das Leichabdankungen, quando a pessoa era conhecida, escrevia-se um breve curriculum de sua vida. Exceção foi o Brunnen Discurs[32], como foi chamado o discurso a seu protetor, em cujo texto Gryphius inseriu descreve a vida de Schönborner.

     b) die Übersetzungen (as traduções) − muitos textos eram traduzidos da poesia para a prosa como, por exemplo, a comédia de H. Razzi, La balia, que foi publicada em 1663.

     c) die Vorworte ( os prefácios) − a maioria dos livros de Gryphius possuíam prefácios em prosa, mesmo os de poesia e as tragédias.

     d) die Widmungen (as dedicatórias).

     Além desses quatro grupos há o texto Fewrige Freystadt, cujo prefácio data de setembro de 1637 e que foi escrito sob a impressão causada pelo incêndio que destruiu parte da cidade de Freistadt. Descreve, em seu início, a ideia que lhe é recorrente: a ação da vanitas.

(...) offenbahr, dab nichts, was in der Welt zufinden, von Ewigkeit herrühre, sondern zu gewisser Zeit seinen Vsprung genommen: Also ist vnlaugbar, dab alles, was jemals gestanden, widerumb seinen vntergange zugeeylet, vnnd... gantz vergehn müssen.[33]

Lírica

     Andreas Gryphius foi um dos grandes poetas líricos da Alemanha no século XVII, sendo listado, inclusive, segundo o crítico literário Marcel Reich-Ranicki, no cânone da literatura alemã[34]. No entanto, grande parte das antologias que tratam de sua poética, citam-no apenas como um poeta marcado pelos horrores da Guerra dos Trinta Anos:

In der Lyrik des Andreas Gryphius tritt das Schicksal des Dreibigjährigen Krieges deutlicher hervor als bei irgendeinem andern. (...) Sein Grundthema ist der Krieg, denn dab er in grobartiger Eintönigkeit immer wieder von der Vergänglichkeit alles Irdischen spricht, erklärt sich schon durch das, was er sah und was er selber erlebte.[35]

     Tais colocações podem levar a ideias preconcebidas acerca da obra de Gryphius que é, seguramente, muito maior do que uma mera descrição da guerra, apesar de seus reflexos permearem-na, não são, contudo, sua totalidade. Tampouco se deve esquecer de que Gryphius, sendo um homem do mundo e um grande poeta, torna-se um filtro da sociedade em que estava inserido, refletindo em sua obra a Weltanschauung do momento. Assim, o sentimento da vanitas, recorrente na obra de Gryphius, estará presente também em outros grandes poetas que sequer souberam o que seria vivenciar os horrores de uma guerra, já que era um sentimento recorrente no homem do século XVII.

     Quevedo, por exemplo, viveu em uma Espanha empobrecida, que vivia seu desengaño, mas não vivenciou as guerras religiosas que assolaram a Alemanha e a França; apesar disso, a vanitas também está presente em sua lírica:

Fué sueño ayer, mañana será tierra:/ Poco antes nada, y poco después humo;/ Y destino ambiciones y presumo,/ Apenas junto al cerco que me cierra. (...) Ya no es ayer, mañana no ha llegado, /Hoy pasa y es, y fue, con movimiento/ Que a la muerte me lleva despeñado. Azadas son la hora y el momento,/ Que a jornal de mi pena y mi cuidado,/ Cava en mi vivir mi monumento.[36]

     Ou ainda:

Miré los muros de la patria mía,/ Si un tiempo fuertes, ya desmoronados,/ De la carrera de la edad cansados,/ Por quien caduca ya su valentía. (...) Vencida de la edad sentí mi espada, / Y no hallé cosa en qué poner los ojos/ Que no fuese recuerdo de la muerte.[37]

     Nem por isso, Quevedo pode ser considerado um poeta da vanitas nem mesmo do desengaño, como demonstra sua rica obra literária. Tampouco podemos dizer que o autor dos próximos versos, Gregório de Matos, seja apenas um autor da vanitas, o que não é, bem sabemos:

Nasce o sol, e não dura mais que um dia,/ depois da Luz se segue a noite escura,/ em tristes sombras morre a formosura, / em contínuas tristezas a alegria[38].

     Ou ainda:

Que és terra homem, e em terra hás de tornar-te,/ Te lembra hoje Deus por sua Igreja, / De pó te faz espelho, em que se veja/ A vil matéria, de que quis formar-te.[39]

     Gryphius, como já dissemos acima, soube muito bem empregar as tópicas do momento em que estava inserido, mas apesar disso possuía uma obstinação: a busca pela perfeição, como demonstram as várias reedições de seus poemas, mesmo que, para isso, as obras de suas juventude, cuja expressão e originalidade eram marcantes, perdessem a unidade de estilo e sua a originalidade[40]. Os poemas de suas últimas edições são mais diretos, objetivos e com um estilo mais leve, contrastando com seu estilo da juventude, que era extremamente subjetivo e independente.

     Podemos dividir a obra lírica de Gryphius em quatro partes:

     I. as odes

     II. os epigramas

     III. os poemas diversos;

     IV. os sonetos.

Odes (Oden)

     Gryphius publica seu primeiro livro de odes em 1643, na cidade de Leiden, quando ainda estava na universidade, publicando a posteriori mais três livros. Os poetas alemães tinham como modelo tanto Píndaro quanto Horácio, além de imitarem Ronsard. Normalmente, as odes dos contemporâneos de Gryphius como Opitz e Weckherlin eram encomiásticas, entretanto as do poeta possuíam temas bíblicos. Geralmente, Gryphius retirava elementos dos salmos como ponto de partida para suas odes, parafraseando-os.[41]

Was sage Ich! Wenn der hellen Nacht

Mit lügen auff mich wüttet?

Wenn Mich die gantze Welt verlacht!

Und List und Trug aubbrüttet?

Sie hat höchsten Vaters Sohn

Der Warheit widersprochen/

Die Warheit selbst hat ihren Hohn

Und frechen Trotz gebrochen.[42]

     A forma da ode pindárica é tripartite, apresentando estrofe, antístrofe (apresentam organização comum) e a épode (que é divergente), além de ser marcada por rima e ritmo; as estrofes, segundo Opitz, poderiam ser livres. Entretanto não há somente odes pindáricas nos livros de Gryphius, que se utiliza também das formas livres, como a ode acima.

Epigramas (Epigramme)

     Gryphius publica, em 1643, seu primeiro livro de epigramas, grande parte escrita quando de sua permanência na Holanda e na Europa ocidental. Segundo Opitz, o epigrama deveria ser uma pequena sátira, seguindo o modelo de Marcial:

Das Epigramma setze ich darumb zue der Satyra/ weil die Satyra ein lang Epigramma/ vnd das Epigramma eine kurtze Satyra ist: denn die kuertze ist seine eingeschafft/ vnd die spitzfindigkeit gleichsam seine seele vnd gestallt[43].

     Entretanto, Gryphius não transparece senso humor, diferenciando-o de seus contemporâneos. Mesmo assim, Gryphius segue como modelo os epigramas de Marcial e de John Owen. Em sua edição de 1663, mostra influência de Logau, entretanto diferentemente desse, não utiliza o epigrama contra determinadas pessoas, mas contra determinados tipos. Há também os epigramas de louvor como o dedicado a Copérnico, Uber Nicolai Copernici Bild [sobre a imagem de Copérnico]: Du dreymal weiser Geist/ du mehr denn grosser Mann! [ Tu três vezes espírito de sabedoria, tu mais que um grande homem!]

     Os epigramas religiosos falam do nascimento, da infância e da paixão de Jesus. O poeta procura, tornar claro problemas teológicos por meio de antíteses e colocações retóricas nesses poemas,:

An Mariam [À Maria][44]

Dib Kind ist nicht mehr dein/es ist der gantzen Welt.

Drumb leg es aus der Schob die dises Pfand noch hält.

 

Des HErren Sterbens Tag [Dia da morte do Senhor][45]

Tag/ schwärzer als die Nacht/ in dem die Welt verlohren

Ihr Lebe/ Trost und Licht/ das in der Nacht gebohren.

 

Poemas diversos (Vermischte Gedichte)

     Normalmente, inserem-se nesse subitem os poemas que não estão incluídos nos livros de odes, epigramas e sonetos. Temos, como exemplo, os Kirchhofgedanken, além de outros poemas traduzidos pelo poeta que tratam do mesmo tema: “pensamentos de cemitério”. O poema, composto por 50 estrofes de oito versos, começa uma série de perguntas:

Wo find ich mich? ist dib das Feld

In dem die hohe Demuth blühet?

Hat Ruh’ Erquicklung hier bestellt

Dem/ der sich für und für bemühet?

Der heisser Tage sternge Last

Und kalter Nächte Frost ertragen?

Und mitten unter Ach und Klagen

Sorg/ angst und müh auff sich gefast.[46]

     A resposta nos vem de forma anafórica, mostrando que o cemitério é a escola da vida:

O Schul/ in der die höch Kunst

Uns sterblichen wird vorgetragen!

(...)

O Schul! ob der/ was in der Welt

Vor klug geachtet; sich entsetzt!

(...)

O Schul! ob welcher den die Haar

In kalten Schweib zu Berge gehen/

Die nahe letztem Ziel der Jahr

Doch näher tollen Lüsten stehen.

(...)

O Schul! Ich komme voll begier/

Die wahre Weibheit zu ergründen! [47]

     O poema mostra-se, por vezes, fantástico:

Hilff Gott! die Särge springen auff!

Ich schau die Cörper sich bewegen/

Der längst erblasten Völker Hauff/

Beginnt der Glieder Rest zu regen!

Ich finde plötzlich mich umbringt

Mit/ durch den Tod/ entwehrten Heeren/

O Schauspiel! Das mir heisse Zehren

Auf den erstarten Augen bringt![48]

     Gryphius cita, no texto, os brasileiros e os caraíbas (no texto “Brasil” e “Caribe”) na estrofe 40:

Was Caribe/ was ie Brasil

Viel wilder als sein Wild verschungen:

Wenn/ was in tieffe Schacht verfiel/

Drin es umbsonst nach Sold gerungen![49]

     Pertencem também a essa classificação os Hochzeitgedichte, os Begräbnisgedichte, as Kirchenlieder.

Sonetos (Sonette)

     A primeira obra lírica de Gryphius, em língua alemã, é uma coletânea de 31 sonetos conhecida por Lissaer Sonette, publicada em 1637, na cidade de Lissa. A partir desse momento, o poeta reeditou várias vezes seus sonetos, buscando sempre a perfeição estética e a clareza.

 

© Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão

[1] A figura do rei Herodes aparece em toda parte nessa época no teatro europeu, já que é ilustrativa da figura do tirano e cuja história dá à representação a arrogância monárquica e seus traços mais fortes. Cf.: BENJAMIN, Walter. p. 93

[2] “Quando Herodes percebeu que os magos o haviam enganado, ficou furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território ao redor, de dois anos para baixo, calculando a idade pelo que tinha averiguado dos magos. Então se cumpriu o que fora dito pelo profeta Jeremias: ‘Ouviu-se um grito em Ramá, choro e grande lamento: é Raquel que chora seus filhos, e não quer ser consolada, porque eles não existem mais.’ ” Mt 2, 16-18.

[3] SZYROCKI, Marian. p. 38

[4] Herodes I referir-se-á à obra Herodis Furiae et Rachelis lacrymae e Herodes II à Dei Vincinis Impetus et Herodis Interitus, cujo tema também será o rei Herodes.

[5] Cf.: SZYROCKI, Marian. p. 19.

[6] Cf.: BENJAMIN, Walter.. p. 201.

[7] Cf.: SZYROCKI, Marian. p. 38.

[8] Cf.: id ibidem. p. 39.

[9] Cf.: id ibidem. pp. 44-45.

[10] Cf.: id ibidem. p. 47.

[11] O objetivo primeiro deste trabalho seria o de analisar alguns sonetos de Gryphius à luz da estética barroca, entretanto como há pouco material sobre o poeta/dramaturgo, achamos interessante fazer também um breve comentário sobre sua obra dramática.

[12] Obtendo, em sua viagem à França e à Itália, uma visão da arte de Corneille e Molière, além da oportunidade de familiarizar-se com a ópera italiana e com a Commedia dell’Arte. Cf.: ROSENFELD, Anatol. p. 28.

[13] Cf.: ARISTÓTELES. pp. 34-37.

[14] Cf.: BENJAMIN, Walter. pp. 83-88.

[15] Claudia Brinker von der Heyde ratifica a recorrência da vanitas na obra de Gryphius: Und er [Andreas Gryphius] markiert darin das zentrale Thema seines Schaffeens, die Vergegenwärtigung der Nichtigkeit menschlisches Lebens, wie sie dem jungen dichter so drastisch im Dreibigjährigen Krieg vorgeführt worden war. VON DER HEYDE, Claudia Brinker. p. 293. [Tradução livre: Ele marca com isso o tema central de sua criação, a constante lembrança da futilidade da vida humana, como havia sido exibida tão drasticamente ao jovem poeta na Guerra dos Trinta Anos.]

[16] Id ibidem. p. 293. [Tradução livre: Enquanto nossa pátria inteira está imersa em suas próprias cinzas e converteu-se em um palco de vaidade; esforço-me para apresentar-te a fugacidade das coisas humanas nas seguintes tragédias...]

[17] Cf.: SZYROCKI, Marian. p. 85. [18] BENJAMIN, Walter. p. 96.

[19] Cf.:SZYROCKI, Marian. p. 79.

[20] Cf.: id ibidem. pp. 79-80

[21] Apesar de, segundo Szyrocki, sua morte ter sido de um mártir ( id ibidem. p. 80) não se deve esquecer de que, segundo Walter Benjamin, o termo mártir não deve ser empregado em seu sentido religioso: “Essa figura nada tem a ver com as concepções religiosas.” Cf.: BENJAMIN, Walter. pp. 96-97.

[22] No sentido de pecaminoso (sündig).

[23] Cf.: SZYROCKI, Marian. p. 83.

[24] Id. ibidem. p. 84.

[25] Cf.: id ibidem. p. 86.

[26] Cf.: ROSENFELD, Anatol. p. 29.

[27] Não se deve esquecer de que Gryphius, como também a base da ideologia do Seiscentismo, que era absolutista, acreditava na origem do poder divino do rei − característica marcante dos estados protestantes − e por isso na limitação da soberania popular. O crime de lesa-majestade era visto como um dos mais abomináveis que existiam, pois era o mesmo que atentar contra a pessoa de Deus, de quem o soberano era um espelho. Segundo Heinrich Hildebrandt (quem melhor explanou o pensamento político de Gryphius, segundo Mauser.): Aufruhr und Königmord zerstören die Fundamente staatlichen Lebens, heben die menschlische Gemeinschaft auf und stürzen das Reich in ein heilloses Chaos. [Tradução livre: Revolução e regicídio destroem os fundamentos da vida do estado, anulam a sociedade humana e viram o reino num caos sem salvação.] Cf.: MAUSER, Wolfram. p. 13.

[28] Id ibidem. p. 30

[29] Cf.: SZYROCKI, Marian. p. 99.

[30] Cf.: id. Ibidem. p. 75.

[31] id. Ibidem. p. 75

[32] O nome de seu protetor era Schönborner, daí o título do Leichabdankung: Brunnen Discurs (Born = Brunnen).

[33] SZYROCKI, Marian. p. 115. [Tradução livre: (...) aparentemente nada do que encontramos no mundo, provém da eternidade, mas teve sua origem em determinado momento, portanto parece incrível que tudo que já existiu corra para o seu próprio fim e que deverá acabar para sempre.]

[34] Cf.: MALHEIROS, Maria do Carmo F. p. 3.

[35] KLEIN, Johannes. p. 128. [Tradução livre: Destaca-se, nitidamente, na lírica de Andreas Gryphius, o destino da Guerra dos Trinta Anos do que em qualquer outro. (...) Sua temática é a guerra, em cuja grande monotonia fala repetidamente da futilidade de tudo que é terreno, explicando através disso, aquilo que ele viu e o que ele mesmo vivenciou.]

[36] QUEVEDO, Francisco de. p. 36. (Soneto “SIGNIFÍCASE LA PROPIA BREVEDAD DE LA VIDA, SIN PENSAR Y COM PADECER SALTEADA DE LA MUERTE”. )

[37] Id. Ibidem, p. 37. (Soneto “ENSEÑA COMO TODAS LAS COSAS AVISAN DE LA MUERTE.)

[38] MATOS, Gregório de. p. 752 (Soneto: MORALIZA O POETA NOS OCIDENTES DO SOL A INCONSTANCIA DOS BENS DO MUNDO)

[39] Id ibidem. p. 78 (soneto: CONTINUA O POETA COM ESTE ADMIRAVEL A QUARTA FEYRA DE CINZAS.) [40] SZYROCKI, Marian. p. 48. [41] Id ibidem. p. 71.

[42] GRYPHIUS, Andreas. p. 122. [Tradução livre: Que digo? Se a noite clara enfurece-se sobre mim com mentiras? Se o mundo inteiro ri-se de mim! E tramam ardil e engano? Ele opôs-se ao excelso Filho da Verdade do Pai, a verdade mesma rompeu seu escárnio e teimosia insolente.]

[43] OPITZ, Martin. [Tradução livre: Por isso coloco o epigrama junto à sátira, pois esta é um longo epigrama e o epigrama, uma sátira curta; pois a brevidade é sua característica e a argúcia, sua alma e forma.

[44] Id ibidem. p. 173. [Tradução livre: Esta criança não é mais tua, é do mundo inteiro. Por isso, tire-a desse ventre que ainda retém essa prenda.]

[45] Id ibidem. p. 171. [Tradução livre: dia mais negro que a noite em que o mundo perdeu sua vida, consolo e luz que nasceu na noite.]

[46] GRYPHIUS, Andreas. p. 5. [Tradução livre: Onde me encontro? Este é o campo em que a submissão floresceu. A paz pediu satisfação àquele que se esforçou? Que o peso dos dias quentes e o gelo das noites frias aguentou? E em meio a ais e queixas, preocupações, medo e esforço carregou.]

[47] SZYROCKI, Marian. p. 76. [Tradução livre: Ó escola em que a elevada arte é transmitida a nós mortais! Ó escola! Apesar do que é considerado culto no mundo; horroriza-se! Ó escola! Na qual os cabelos ficam de pé em frio suor, que próximo ao destino dos anos estão mais próximos dos loucos prazeres. Ó escola! Venho pleno de desejo para desvendar a verdadeira sabedoria.]

[48] Id ibidem. pp. 8-9. [Tradução livre: Ajude-me Deus! Os túmulos se abrem! Vejo os corpos se movendo, a massa de povos empalidecidos, os restos de membros se movem! Sinto-me, repentinamente, cercado por exércitos desarmados pela morte. Ó espetáculo! A quente luta me vem aos olhos petrificados!]

[49] Id ibidem. p. 15. [Tradução livre: Que os caraíbas e os brasileiros devoraram da forma mais selvagem que seus animais selvagens: quando o que caiu nas profundezas , em vão por soldo lutou! ]  

 

 










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