Ao deixar de lado o estudo da linguagem a partir de um ponto
de vista histórico, mas de um ponto de vista estrutural, Ferdinand
Saussure (1857-1913) amplia o horizonte dos estudos linguísticos,
afinal os estudos linguísticos do século XIX não questionavam o ser
da linguagem nem seu funcionamento. Dessa forma, Saussure nos mostra
que cabe à Linguística ir além do mero estudo dos signos.
As dicotomias de Saussure:
I.
semiologia / linguística,
II.
signo: significado / significante,
III.
arbitrariedade / linearidade,
IV.
linguagem: língua / fala
V.
sincronia / diacronia,
VI.
sintagma / paradigma
I.
A Semiologia é a teoria geral dos signos, em
que consistem e as leis que os regem. Portanto, difere da
Linguística por um alcance maior: a Linguística não é senão uma
parte dessa ciência geral (pág. 24). Enquanto a Linguística
limita-se ao estudo científico da linguagem humana, a Semiologia
preocupa-se não apenas com essa linguagem, mas também com a dos
animais e de todo e qualquer sistema de comunicação, seja natural ou
convencional. Obs.: Há dois termos: Semiologia (surge na Europa, com
Saussure) e Semiótica(nos Estados Unidos, com Peirce).
II.
O signo linguístico para Saussure é a união
do conceito com a imagem acústica. O conceito (ou idéia)
é a representação mental de um objeto ou da realidade social em
que nos situamos, representação essa condicionada pela formação
sociocultural que nos cerca desde o berço. Em outras palavras, para
Saussure, conceito é sinônimo de significado (plano das
ideias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte
inteligível, em oposição ao significante (plano da expressão),
que é sua parte sensível. Por outro lado, a imagem acústica não é o
som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse
som. Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Com
isso, temos que o signo linguístico é uma entidade psíquica de
duas faces (...) estão intimamente unidos e um reclama o outro
(pág. 80)[1].
Não há significado sem significante. Exemplificando, quando alguém
recebe a impressão psíquica transmitida pela imagem acústica (ou
significante) /kδpw/ graças à qual se manifesta fonicamente
o signo copo, essa imagem acústica, de imediato, evoca-lhe
psiquicamente a idéia de recipiente utilizado para beber algo.
Poderíamos dizer que aquilo que o falante associa com o significante
/kδpw/ corresponderia ao significado vaso (em espanhol),
Glas (em alemão) ou glass (em inglês).
III.
O signo linguístico é arbitrário
(pág. 81), quer dizer que o significado não depende da
livre escolha de quem fala, logo o significante é imotivado, isto
é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum
laço natural na realidade. (pág. 83). Desse modo, compreendemos
por que Saussure afirma que a idéia (ou conceito ou significado) de
mar não tem nenhuma relação necessária e “interior” com a
sequência de sons, ou imagem acústica ou significante /mar/.
Em outras palavras, o significado mar poderia ser
representado perfeitamente por qualquer outro significante, daí as
diferenças entre as línguas: mar em inglês é sea, em
francês, mer, em alemão See.
Apesar de haver postulado que o signo
linguístico é, em sua origem, arbitrário, Saussure não deixa de
reconhecer a possibilidade de existência de certos graus de
motivação entre significante e significado. Ele propõe a existência
de um arbitrário absoluto e de um arbitrário relativo.
Como exemplo de arbitrário absoluto, aconteceria na relação pêra
/ pereira, em que pêra, enquanto palavra primitiva,
serviria como exemplo de arbitrário absoluto (signo imotivado). Por
sua vez, pereira, forma derivada de pêra, seria um
caso de arbitrário relativo (signo motivado), devido à relação
sintagmática pêra (morfema lexical) + -eira (morfema
sufixal, com a noção de “árvore”) e à relação paradigmática
estabelecida a partir da associação de pereira a
laranjeira, bananeira, etc., uma vez que é conhecida a
significação dos elementos formadores.
O princípio da linearidade que se aplica
às unidades do plano da expressão (fonemas, sílabas, palavras), por
serem estas emitidas em ordem linear ou sucessiva na cadeia da fala,
sendo o princípio das relações sintagmáticas.
IV.
Dicotomia fundamentada na oposição social /
individual. Saussure afirma que a linguagem tem um lado
individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o
outro, além disso implica ao mesmo tempo um sistema
estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição
atual e um produto do passado. (pág. 16) É ao mesmo tempo
física, fisiológica e psíquica, (...) e não se deixa
classificar em nenhuma categoria de fatos humanos. (pág. 17) A
língua, sendo um produto social da (...) linguagem e um
conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. (pág. 17)
Existe na coletividade sob a forma de sinais depositados
em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário, cujos exemplares
todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos (pág.
27). Na condição de bem comum, a língua traz consigo toda a
experiência histórica acumulada por um povo durante sua existência.
Temos aí as particularidades de cada uma, cujas expressões somente
podem ser compreendidas por seus falantes nativos, além da
dificuldade para se traduzirem certas expressões que lhe são
próprias. Saussure ainda nos ilustra que, se fosse possível abarcar
a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos,
atingiríamos o liame social que constitui a língua, afinal ela
não está completa em ninguém, é só na massa que ela existe
de modo completo (pág. 21). Dessa forma, mesmo estando
internamente armazenada, o indivíduo por si só, não pode nem criá-la
nem modificá-la; ela não existe senão em virtude de uma espécie de
contrato estabelecido entre os membros da comunidade, afinal a
língua é a parte social da linguagem, logo exterior ao
indivíduo. (pág. 22)
A fala, ao contrário da língua, por se
constituir de atos individuais, torna-se múltipla, imprevisível,
irredutível a uma pauta sistemática. Os atos linguísticos
individuais são ilimitados, não formando um sistema. Os fatos
linguísticos sociais, bem diferentemente, formam um sistema, pela
sua própria natureza homogênea. Vale ressaltar, no entanto, que
tanto o funcionamento quanto a exploração da faculdade da linguagem
estão intimamente ligados às implicações mútuas existentes entre os
elementos língua (virtualidade) e fala (realidade).
V.
A sincronia é o eixo das simultaneidades, no
qual devem ser estudadas as relações entre os fatos existentes ao
mesmo tempo num determinado momento do sistema linguístico, que pode
ser tanto no presente quanto no passado. Em outras palavras,
sincronia é sinônimo de descrição, de estudo do funcionamento da
língua. Por outro lado, no eixo das sucessividades ou diacronia, o
linguista tem por objeto de estudo a relação entre um determinado
fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe
sucederam. E Saussure adverte que tais fatos (diacrônicos) não
têm relação alguma com os sistemas, apesar de os condicionarem.
(pág. 101) Em outras palavras, o funcionamento sincrônico da língua
pode conviver harmoniosamente com seus condicionamentos diacrônicos.
Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em história externa (estudo
das relações existentes entre os fatores socioculturais e a evolução
linguística) e história interna (trata da evolução estrutural –
fonológica e morfossintática – da língua). Saussure considera
prioritário o estudo sincrônico, porque o falante nativo não tem
consciência da sucessão dos fatos da língua no tempo. Para o
indivíduo que usa a língua como veículo de comunicação e interação
social, essa sucessão não existe. A única e verdadeira realidade
palpável que se lhe apresenta de forma imediata é a do estado
sincrônico da língua. Além disso, como a relação entre o
significante e o significado é arbitrária, estará continuamente
sendo afetada pelo tempo, daí a necessidade de o estudo da língua
ser prioritariamente sincrônico. Um exemplo que pode ilustrar esse
caráter sincrônico é o emprego de determinadas palavras no correr do
tempo e a modificação que o mesmo sofre no correr dos anos. O
substantivo romaria significava, originalmente, “peregrinação
a Roma para ver o Papa”. Hoje, no entanto, é usado para designar “peregrinação
religiosa em geral”, como as em direção a Aparecida do Norte, no
Estado de São Paulo.
Como a linguagem implica ao mesmo tempo
um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma
instituição atual e um produto do passado (pág. 16); língua,
portanto, será sempre sincronia e diacronia em qualquer momento de
sua existência. Saussure, ao deixar de se preocupar com o processo
pelo qual as línguas se modificam, para tentar saber o modo como
funcionam, acaba dando maior importância ao estudo sincrônico, ponto
de partida para a Linguística Geral e o chamado método
estruturalista de análise da língua.
VI.
Para Saussure, tudo na sincronia se prende a
dois eixos: o paradigmático e o sintagmático. As
relações sintagmáticas baseiam-se no caráter linear do signo
linguístico, que exclui a possibilidade de pronunciar dois
elementos ao mesmo tempo. (pág. 142) A língua é formada por
elementos que se sucedem um após outro linearmente na cadeia da
fala (pág. 142) e a essa relação Saussure chama de sintagma:
O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas:
re-ler, contra todos, a vida humana, Deus é bom, se fizer bom tempo,
sairemos, etc. (pág. 142)
Na cadeia sintagmática, um termo passa a
ter valor em virtude do encontro que estabelece com aquele
que o precede ou lhe sucede, ou a ambos, visto que um termo não pode
aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear.
Em “Hoje fez frio”, por exemplo, não podemos pronunciar a sílaba
je antes da sílaba ho (Jeho!), nem ho ao
mesmo tempo que je: é impossível. É essa cadeia fônica que
faz com que se estabeleçam relações sintagmáticas entre os elementos
que a compõem. Como a relação sintagmática se estabelece em função
da presença dos termos precedente e subsequente no discurso,
Saussure a chama também de relação in præsentia.
Por outro lado, se dissermos “Hoje fez
frio” fora do discurso, isto é, fora do plano sintagmático, podemos
dizer hoje pensando em opô-lo a outro advérbio, ontem,
por exemplo, ou fez em oposição a faz, e frio a
calor. Com isso, estabelecemos uma relação paradigmática
associativa ou in absentia, porque os termos ontem,
faz e calor não estão presentes no discurso. São
elementos que se encontram na nossa memória de falante numa série
mnemônica virtual, (pág. 143). O paradigma funciona como uma
espécie de “banco de reservas” da língua, um conjunto de unidades
suscetíveis de aparecer num mesmo contexto. Desse modo, as unidades
do paradigma se opõem, pois uma exclui a outra: se uma está
presente, as outras estão ausentes. É a chamada oposição
distintiva, que estabelece a diferença entre signos como gado
e gato ou entre formas verbais como estudava e
estudara, formados respectivamente a partir da oposição
sonoridade / não-sonoridade e pretérito imperfeito / mais-que-perfeito.
A noção de paradigma suscita, pois, a idéia de relação entre
unidades alternativas. É uma espécie de reserva virtual da língua.
Define-se o sintagma como a combinação de
formas mínimas numa unidade linguística superior, a frase é o
tipo por excelência de sintagma. Trata-se, portanto, de relações
onde o que existe, em essência, é a reciprocidade, a coexistência ou
solidariedade entre os elementos presentes na cadeia da fala. O
sintagma, em sentido lato, é toda e qualquer combinação de unidades
linguísticas na sequência de sons da fala, a serviço da rede de
relações da língua.
As relações paradigmáticas, no plano da
expressão, operam com base na similaridade de sons como nas
rimas, aliterações, assonâncias. Já, no plano do conteúdo, as
relações paradigmáticas baseiam-se na similaridade de sentido, na
associação entre o termo presente na frase e a simbologia que ele
desperta em nossa mente, como no caso da metáfora: O pavão é um
arco-íris de plumas. (Rubem Braga), ou seja, arco-íris =
semicírculo ou arco multicor. Embora presente no texto em prosa, a
metáfora é mais usual na poesia. Já a metonímia, mais comum na
prosa, por basear-se numa relação de contiguidade de sentido, atua
no eixo sintagmático. Ex.: O autor pela obra: “Gosto de ler
Machado de Assis”; a parte pelo todo: “Os desabrigados ficaram
sem teto” (= casa); o continente pelo conteúdo: “Tomei um
copo de vinho” (o vinho contido no copo), etc.
Bibliografia:
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de
linguística geral. São Paulo, Cultrix, 2006.
[1]
Jakobson e a Escola de Praga vão
estabelecer a distinção entre som
material e imagem acústica. Àquele
denominaram de fone,
objeto de estudo da Fonética; a
esta, de fonema, conceito
empregado pela Fonologia.