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Poética
Estou farto do
lirismo comedido
Do lirismo bem
comportado
Do lirismo
funcionário público com
livro de ponto
expediente protocolo e
manifestações de apreço ao sr.
diretor.
Estou farto do
lirismo que para e vai
averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras
sobretudo os barbarismos
universais
Todas as
construções sobretudo as
sintaxes de exceção
Todos os ritmos
sobretudo os inumeráveis
Estou farto do
lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo
que capitula ao que quer
que seja fora de si
mesmo.
De resto não é
lirismo
Será contabilidade
tabela de cossenos
secretário do amante
exemplar com cem
[modelos de cartas e as
diferentes maneiras de
agradar às mulheres etc.
Quero antes o
lirismo dos loucos
O lirismo dos
bêbados
O lirismo difícil
e pungente dos bêbedos
O lirismo dos
clowns de Shakespeare
Não quero mais
saber do lirismo que não
é libertação.
Poema tirado de
uma notícia de jornal
João Gostoso
era carregador de
feira-livre e morava no
morro da Babilônia num
barracão sem número
Uma noite ele chegou no
bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na
Lagoa Rodrigo de Freitas
e morreu afogado.
Madrigal tão
engraçadinho
Teresa, você é a
coisa mais bonita que eu
vi até hoje na
minha vida,
inclusive o porquinho-da-índia
que me deram quando eu
tinha seis anos.
Irene no céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
-
Licença, meu branco!
E
São Pedro, bonachão:
-
Entra, Irene, você não precisa pedir
licença.
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispneia e suores
noturnos.
A
vida inteira que podia ter sido que não
foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
-
Diga trinta e três.
-
Trinta e três... trinta e três... trinta
e três...
-
Respire.
...............................................................
- O
senhor tem uma escavação no pulmão
esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
-
Então, doutor, não é possível tentar o
pneumotórax?
-
Não. A única coisa a fazer é tocar um
tango argentino.
Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo:
- 'Passei
o dia à toa, à toa!'
Andorinha, andorinha, minha cantiga é
mais triste!
Passei a vida à toa, à toa...
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Lá
sou amigo do rei
Lá
tenho a mulher que eu quero
Na
cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Aqui não sou feliz
Lá
a existência é uma aventura
De
tal modo inconsequente
Que
Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem
a ser contraparente
Da
nora que nunca tive
E
como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E
quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’agua
Pra
me contar as histórias
Que
no tempo de seu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me
embora pra Pasárgada
Em
Pasárgada tem tudo
É
outra civilização
Tem
um processo seguro
De
impedir a concepção
Tem
telefone automático
Tem
alcaloide à vontade
Tem
prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E
quando eu estiver mais triste
Mas
triste de não de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
–
Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na
cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada
Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— "Meu pai foi à guerra!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos!
O meu verso é bom
Frumento sem joio
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas . . ."
Urra o sapo-boi:
— "Meu pai foi rei" — "Foi!"
— "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio