Prof. Dr.  Jack Brandão
 
 
Literatura

         
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OSVALD DE ANDRADE

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Falação

 

O Cabralismo. A civilização dos donatários. A Querência e a Exportação.

O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau-Brasil. Bárbaro e nosso.

A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

Toda a história da Penetração e a história comercial da América. Pau-Brasil.

Conta a fatalidade do primeiro branco aportado e dominando diplomaticamente as selvas selvagens. Citando Virgílio para tupiniquins. O bacharel.

País de dores anônimas. De doutores anônimos. Sociedade de náufragos eruditos.

Donde a nunca exportação de poesia. A poesia emaranhada na cultura. Nos cipós das metrificações.

Século vinte. Um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo deformaram como babéis de borracha. Rebentaram de enciclopedismo.

A poesia para os poetas. Alegria da ignorância que descobre. Pedr’Álvares.

Uma sugestão de Blaise Cenfrars: – Tendes as locomotivas cheias, ides partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.

Contra o gabinetismo, a palmilhação dos climas.

A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros.

Passara-se do naturalismo à pirogravura doméstica e à kodak excursionista.

Todas as meninas prendadas. Virtuoses de piano de manivela.

As procissões saíram do bojo das fábricas.

Foi preciso desmanchar. A deformação através do impressionismo e do símbolo. O lirismo em folha. A apresentação dos materiais.

A coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.

Contra a argúcia naturalista, a síntese. Contra a cópia, a invenção e a surpresa.

Uma perspectiva de outra ordem que a visual. O correspondente ao milagre físico em arte. Estrelas fechadas nos negativos fotográficos.

E a sábia preguiça solar. A reza. A energia silenciosa. A hospitalidade.

Bárbaros, pitorescos e crédulos. Pau-Brasil. A floresta e a escola. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

 

Canto de regresso à pátria

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo

 

brasil

O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval


Relógio

As coisas são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão


Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português


O Sul-Americano Calabar

Torcida indígena a favor de um imperialismo "civilizador". Leitor pequeno-burguês, não será você?
No Brasil há duas correntes de opinião: os que acreditam que a guerra holandesa acabou e os que sabem perfeitamente que ela continua, através de fundings, empréstimos e tomadas de poder por este ou aquele grupo calabarista.

pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

 

As meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha

 

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

 

O gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.

 

O capoeira

— Qué apanhá sordado?
— O quê?
— Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.

 

Cidade

Foguetes pipocam o céu quando em quando

Há uma moça magra que entrou no cinema

Vestida pela última fita

Conversas no jardim onde crescem bancos

Sapos

Olha

A iluminação é de hulha branca

Mamães estão chamando

A orquestra rabecoa na mata

 

Bonde

O transatlântico mesclado

Dlendlena e esguicha luz

Postretutas e famias sacolejam

 

Fotógrafo Ambulante

Fixador de corações

Debaixo de blusas

Álbum de dedicatórias

Marquereau

Tua objetiva pisca-pisca

Namora

Os sorrisos contidos

És a glória

Oferenda de poesias às dúzias

Tripeça dos logradouros públicos

Bicho debaixo da árvore

Canhão silencioso do sol

 

© 2006-2021  Jack Brandão