Prof. Dr.  Jack Brandão
 
 
Literatura

         
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Trovadorismo em Portugal

 

Momento histórico

 

        Os historiadores costumam limitar o Trovadorismo entre os anos de 1189 (ou 1198?) e 1385. Mais importante que essas datas convencionais é saber que o Trovadorismo corresponde à primeira fase da história portuguesa ao período da formação de Portugal como reino independente. É o período literário que reúne, basicamente, os poemas feitos pelos trovadores para serem cantados em feiras, festas e nos castelos durante os últimos séculos da Idade Média.

        É, portanto, contemporâneo às lutas pela independência e ao surgimento do Estado português e à dinastia de Borgonha, subdivide-se em três categorias: cantigas de amigo, cantigas de amor e cantigas de escárnio e maldizer e a prosa. Chegaram até nós três coletâneas de poesias: o Cancioneiro da Vaticana, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Ajuda, todos eles contendo composições que vão do século XII ao século XIV.

        Quanto aos trovadores mais famosos, cabe destacar o rei Afonso X de Castela e o rei D. Dinis de Portugal.

 

Primeira fase da história de Portugal - séculos XII a XIV

 

  • 1095 O rei Afonso VI, de Leão e Castela, concede o condado Portucalense a seu genro Henrique de Borgonha

  • 1109-1385 Dinastia de Borgonha. Declínio do Feudalismo

  • 1139 D. Afonso Henriques, filho e sucessor de Henrique de Borgonha, após vencer os mouros em batalha declara a independência de Castela (tratado de Zamora).

  • 1143 Reconhecimento da independência de Castela (tratado de Zamora)

  • 1385 Fim da Dinastia de Borgonha. Revolução de Avis; D. João I é aclamado rei de Portugal; início da dinastia de Avis.


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TROVADORISMO

 

        É o conjunto das manifestações literárias contemporâneas à primeira dinastia real portuguesa, a de Borgonha (1109-1385). Para compreendermos certas características das manifestações literárias desse período, é importante conhecer alguns aspectos da história da Península Ibérica:

        a) O feudalismo, já em declínio, terá reflexos até mesmo na linguagem da poesia amorosa, como veremos adiante. As cortes dos reis e dos grandes senhores feudais são os centros de produção cultural e literária.

        b) A reconquista do território, dominado pelos árabes desde o século VIII, faz prolongar, na nobreza ibérica, o espírito guerreiro e aventureiro das Cruzadas. Daí o gosto tardio em Portugal pelas novelas de cavalaria.

        c) Por último, o profundo espírito religioso medieval e teocêntrico refletirá tanto nas já citadas novelas de cavalaria como na poesia de temática religiosa (Cantigas de Santa Maria, de D. Afonso X) e nas hagiografias (vidas de santos) e obras de devoção.

 

Cronologia do Trovadorismo

        Início: 1189 (ou 1198?) Provável data da Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós. Supõe-se que esta seja a mais antiga das composições conservadas nos cancioneiros. Outras cantigas disputam essa primazia.

        Término: 1385 Fim da dinastia de Borgonha

 

Cantiga da Ribeirinha

No mundo non me sei parelha

mentre me for como me vai,

ca ja moiro por vós e ai!

mia senhor branca e vermelha,

queredes que vos retraia

quando vos eu vi em saia.

Mao dia me levantei

que vos entom nom vi fea!

E, mia senhor, des aquelha

me foi a mi mui mal di’ai!

E vós, filha de Dom Paai

Moniz, e bem vos semelha

d’aver eu por vós guarvaia,

pois eu, mia senhor, d’alfaia

nunca de vós ouve nem ei

valia d’ua correa.

 

Glossário:

non me sei parelha: não conheço ninguém igual a mim.

mentre: enquanto.

ca: pois.

branca e vermelha: a cor branca da pele, contrastando com o rosado do rosto.

retraia: pinte, retrate, descreva.

en saia: sem manto.

que: pois

dês: desde

semelha: parece

d’aver eu por vós: receber por seu intermédio.

guarvaia: manto luxuoso, provavelmente vermelho, usado pela nobreza.

alfaia: presente

valia d’un correa: objeto de pequeno valor.

 

        Considerada por alguns como a mais antiga galego-portuguesa, este texto desafia a interpretação dos estudiosos. Seu sentido continua bastante obscuro. Não se pode concluir nem mesmo se trata de uma cantiga de amor ou de escárnio.

A poesia no período trovadoresco

 


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        Ao ler um texto poético desse período, não podemos ter em mente a tradição moderna e o que hoje entendemos por poesia. A poesia não era escrita para ser lida por um leitor solitário. Era poesia cantada (daí o nome de cantiga, que passaremos a usar de agora em diante), geralmente era acompanhada por um coro e por instrumentos musicais.

         Seu público não era, portanto, constituído de leitores, mas de ouvintes. Assim, devemos sempre considerar as cantigas como poesia intimamente ligada à música, própria para apresentações coletivas. Chamamos de poesia trovadoresca à produção poética, em galego-português, do final do século XII ao século XIV. Seu apogeu ocorre no reinado de Afonso III, pelos meados do século XIII.

 

Os Cancioneiros

        Só tardiamente (a partir do final do século XIII) as cantigas foram copiadas em manuscritos chamados cancioneiros. Três desses livros, contendo aproximadamente 1680 cantigas, chegaram até nós.

        São eles:

  • Cancioneiro da Ajuda

  • Cancioneiro da Vaticana

  • Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa.

 


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Os autores

        Os autores das cantigas são chamados trovadores. Eram pessoas cultas, quase sempre nobres, contando-se entre eles alguns reis, como D. Sancho I, D. Afonso X, de Castela e D. Dinis. Nos cancioneiros que conhecemos, estão reunidos as cantigas de 153 trovadores.


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Os intérpretes

 

        As cantigas compostas pelos trovadores eram musicadas e interpretadas pelo jogral, pelo segrel e pelo menestrel, artistas agregados às cortes ou perambulavam pelas cidades e feiras. Muitas vezes o jogral também compunha cantigas.

Características das cantigas

  • Língua galego-português

  • Tradição oral e coletiva

  • Poesia cantada e acompanhada por instrumentos musicais colecionada em cancioneiros

  • Autores trovadores

  • Intérpretes: jograis, segréis e menestréis

  • Gêneros: lírico (cantigas de amigo, cantigas de amor) e satírico (cantigas de escárnio, cantigas de maldizer).

Os gêneros

        Podemos classificar as cantigas podem ser classificadas em:

  • gênero lírico: cantigas de amigo, cantigas de amor

  • gênero satírico: cantigas de escárnio e de maldizer

 

GÊNERO LÍRICO

 

CARACTERÍSTICAS DAS CANTIGAS DE AMOR

  • Eu lírico masculino

  • Tratamento dando à mulher: mia senhor.

  • Expressão da vida da corte.

  • Convenções do amor cortês:

a) Idealização da mulher;

b) Vassalagem amorosa;

c) Expressão da coita.

  • Origem provençal

 


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CARACTERÍSTICAS DAS CANTIGAS DE AMIGO

  • Eu lírico feminino

  • Tratamento dado ao namorado: amigo

  • Expressão da vida campesina e urbana

  • Amor realizado ou possível - sofrimento amoroso

  • Simplicidade - pequenos quadros sentimentais

  • Paralelismo e refrão

  • Origem popular e autóctone (isto é, na própria Península Ibérica)

 


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AS CANTIGAS DE AMOR

 

Cantiga de amor

                                D. Dinis

 

Quer’eu em maneira de proençal

fazer agora um cantar d’amor

e querrei muit’i loar mia senhor

a que prez nem fremosura nom fal,

nem bondade; e mais vos direi ém:

tanto a fez Deus comprida de bem

que mais que todas las do mundo val.

Ca mia senhor quizo Deus fazer tal,

quando a faz, que a fez sabedor

e todo bem e de mui gram valor,

e com tod’est[o] é mui comunal

ali u deve; er deu-lhi bom sém,

e desi nom lhi fez pouco de bem

quando nom quis lh’outra

foss’igual

Ca mia senhor nunca Deus pôs mal,

mais pôs i prez e beldad’e loor

e falar mui bem, e riir melhor

que outra molher; desi é leal

muit’, e por esto nom sei oj’eu quem

possa compridamente no seu bem

falar, ca nom á, tra-lo seu bem, al.

 

Tradução:

 

Quero à moda provençal

fazer agora um cantar de amor,

e que rerei muito aí louvar minha senhora

a quem honra nem formosura não faltam

nem bondade; e mais vos direi sobre ela:

Deus a fez tão cheia de qualidades

que ela mais que todas do mundo.

Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo

quando a fez, que a fez conhecedora

de todo bem e de muito grande valor,

e além de tudo isto é muito sociável

quando deve; também deu-lhe bom senso,

e desde então lhe fez pouco bem

impedindo que nenhuma outra fosse igual a ela

Porque em minha senhora nunca Deus pôs mal,

mas pôs nela honra e beleza e mérito

e capacidade de falar bem, e de rir melhor

que outra mulher também é muito leal

e por isto não sei hoje quem

possa cabalmente falar no seu próprio bem

pois não há outro bem, para além do seu. AS CANTIGAS DE AMIGO

 

Cantiga de amigo

                                Martim Codax

 

Ondas do mar de Vigo,

se vistes meu amigo?

E ai Deus, se verra cedo!

Ondas do mar levado,

se vistes meu amado?

E ai Deus, se verra cedo!

Se vistes meu amigo,

o por que eu sospiro?

E ai Deus, se verra cedo!

Se vistes meu amado,

por que ei gran coitado?

E ai Deus, se verra cedo!

 

Tradução:

 

Ondas do mar de Vigo,

acaso vistes meu amigo?

Queira Deus que ele venha cedo!

Ondas do mar agitado,

acaso vistes meu amado?

Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amigo

aquele por quem suspiro?

Queira Deus que ele venha cedo!

Acaso vistes meu amado,

por quem tenho grande cuidado (preocupado)?

Queira Deus que ele venha cedo!

 

Cantiga de amigo

                                D. Dinis

 

− Ai flores, ai flores do verde pino,

se sabedes novass do meu amigo!

Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado!

Ai Deus, e u é?

 

Se sabedes novas do meu amigo,

aquel que mentiu do que pôs comigo!

Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,

aquel que mentiu do que mi á jurado!

Ai Deus, e u é?

 

− Vós me preguntades polo voss’amado,

e eu bem vos digo que é san’e vivo.

Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss’amado,

e eu bem vos digo que é viv’e sano.

Ai Deus, e u é?

 

E eu bem vos digo que é san’e vivo

e seera vosc’ant’o prazo saído.

Ai Deus, e u é?

 eu bem vos digo que é viv’e sano

e seera vosc’ant’o prazo passado.

Ai Deus, e u é?

 

Glossário:

 

pino: pinheiro

novas: notícias

e u é?: e onde ele está?

do que pôs comigo: sobre aquilo que combinou comigo (isto é, o encontro sob os pinheiros)

preguntades: perguntais

polo: pelo

que é san’e vivo: que está são (com saúde e vivo)

e seera vosc’ant’o prazo saído (passado): e estará convosco antes de terminar o prazo combinado

 

 

 

GÊNERO SATÍRICO

 

        As cantigas satíricas apresentam interesse sobretudo histórico. São verdadeiros documentos da vida social, principalmente da corte. Fazem ecoar as reações públicas a certos fatos políticos: revelam detalhes da vida íntima da aristocracia, dos trovados e dos jograis, trazendo até nós os mexericos e os vícios ocultos da fidalguia medieval portuguesa.

        Enquanto as cantigas de escárnio utilizam a ironia e o equívoco para realizar mais indiretamente essas zombarias, as cantigas de maldizer são sátiras diretas. Daí sua maior virulência, o emprego mais frequente de palavrões (em geral os mesmos que usam até hoje) e a abordagem mais desabusada dos vícios sexuais atribuídos aos satirizados.

        A diferença entre esses dois tipos de cantiga é, portanto, apenas relativa. Frequentemente a classificação dos textos é ambígua. O próprio significado das palavras escárnio e maldizer pode deixar mais clara essa diferença entre os dois tipos de sátira:

  • escárnio: zombaria, menosprezo, desprezo, desdém;

  • maldizer: (verbo) pragueja contra; (substantivo), maledicência, difamação.

 

CARACTERÍSTICAS DAS CANTIGAS DE ESCÁRNIO

 

  • indiretas;

  • uso da ironia e do equívoco.

     


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    CARACTERÍSTICAS DAS CANTIGAS DE MALDIZER

     

  • diretas, sem equívocos;

  • intenção difamatória;

  • palavrões e xingamentos.

  •  


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    Cantiga de escárnio

                                    Pero Larouco

     

    De vós, senhor, quer’eu dizer verdade

    e nom ja sobr’[o] amor que vos ei:

    senhor, bem [moor] é vossa torpicidade

    de quantas outras eno mundo sei;

    assi de fea come de maldade

    nom vos vence oje senom filha dum rei

    [Eu] nom vos amo nem me perderei,

    u vos nom vir, por vós de soidade (...)

     

    Tradução:

     

    Sobre vós, senhora, eu quero dizer verdade

    e não já sobre o amor que tenho por vós:

    senhora, bem maior é vossa estupidez

    do que a de quantas outras conheço no mundo

    tanto na feiúra quanto na maldade

    não vos vence hoje senão a filha de um rei

    Eu não vos amo nem me perderei

    de saudade por vós, quando não vos vir.

     

    Cantiga de maldizer

                                    João Garcia de Ghilhade

     

    Ai, dona fea, fostes-vos queixar

    que vos nunca louv[o] em meu cantar;

    mais ora quero fazer um cantar

    em que vos loarei toda via;

    e vedes como vos quero loar:

    dona fea, velha e sandia!

    Dona fea, se Deus mi pardom,

    pois avedes [a]tam gram coraçom

    que vos eu loe, em esta razom

    vos quero ja loar toda via;

    e vedes qual sera a loaçom:

    dona fea, velha e sandia!

    Dona fea, nunca vos eu loei

    em meu trobar, pero muito trobei;

    mais ora ja um bom cantrar farei,

    em que vos loarei toda via;

    e direi-vos como vos loarei:

    dona fea, velha e sandia!

    Tradução:

     

    Ai, dona feia, foste-vos queixar

    que nunca vos louvo em meu cantar;

    mas agora quero fazer um cantar

    em que vos louvares de qualquer modo;

    e vede como quero vos louvar

    dona feia, velha e maluca!

    Dona feia, que Deus me perdoe,

    pois tendes tão grande desejo

    de que eu vos louve, por este motivo

    quero vos louvar já de qualquer modo;

    e vede qual será a louvação:

    dona feia, velha e maluca!

    Dona feia, eu nunca vos louvei

     em meu trovar, embora tenha trovado muito;

    mas agora já farei um bom cantar;

    em que vos louvarei de qualquer modo;

    e vos direi como vos louvarei:

    dona feia, velha e maluca!

     

    A PROSA MEDIEVAL


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